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Para justiça, cobrança de demurrage não pode ocorrer apenas com base no “termo de compromisso de devolução de contêiner”

Publicado por Juliana Berton

Desde o surgimento dos navios com casco de aço, que substituíram as embarcações de madeira, passou a ser utilizado uma embalagem, ou cofre, de metal de tamanho padronizado: o contêiner. Sua utilização foi adotada não apenas com vistas à segurança das mercadorias, mas principalmente visando a otimização do uso do espaço do navio e facilitação da movimentação da carga.

A demurrage, ou sobre estadia de contêiner, surgiu neste contexto. No início, existiam poucos contêineres de modo que o atraso na sua devolução tinha grandes implicações - podia até mesmo atrasar a saída do navio do porto.

Assim, o estabelecimento de pesadas multas em caso de atraso da devolução tornou-se uma prática comum, que tinha por escopo compelir o usuário do contêiner a devolvê-lo tempestivamente para que todo o fluxo do comércio exterior não fosse interrompido.

Hoje a situação é outra. Há superabundância de contêineres que, inclusive, são utilizados como residências, prisões, hospitais temporários e similares. Ainda assim, a demurrage permanece; é uma herança maldita com a qual empresários e advogados que militam no direito aduaneiro precisam lidar.

Como a penalidade é cobrada em dólares e por dia de atraso, são comuns os casos de demurrage que alcançam patamares milionários – são dívidas de 6 ou até 7 dígitos. O débito, que naturalmente torna-se impagável, vira uma cobrança judicial.

Ainda que a legislação brasileira imponha ao autor da demanda o ônus da prova – ou seja, a obrigação de comprovar os fatos que alega, existem muitos casos em que a cobrança de demurrage é feita sem o mínimo lastro documental.

A justiça de alguns estados, especialmente aonde o lobby dos armadores é pesado, muitas vezes releva a falta de documentação da cobrança para, ao final, condenar os importadores a pagar valores estratosféricos.

Em que pese este fato, nos estados aonde os tentáculos dos armadores ainda não chegou, o Judiciário cumpre o seu papel de guardião da Lei. Isso foi visto recentemente nos autos do processo 0721452-35.2016.8.02.0001.

Naquele caso, o armador iniciou a demanda alegando que a importadora lhe devia cerca de 25 mil dólares, em razão de um suposto atraso na devolução de determinados contêineres. Ao se defender, a empresa alegou, dentre outras coisas, que não havia provas do atraso da devolução.

Juliana Berton, uma das advogadas que defendeu a empresa, afirmou: “O que observamos neste caso específico foi que o armador apresentou apenas o termo de compromisso de devolução de contêiner juntamente com planilha preparada unilateralmente, na qual constava uma suposta data de devolução. Não havia nos autos um único documento comprovando a veracidade desta afirmação”.

Ao se manifestar sobre a defesa apresentada, o armador afirmou que o termo de devolução de compromisso de devolução de contêiner seria suficiente para embasar a pretensão.

Ao decidir a questão, o Juiz entendeu que tais termos eram insuficientes para embasar a pretensão autoral pois não havia certeza quanto a data da devolução:

Em relação a data devolução [do contêiner], a despeito de ser possível verificar que houve algum atraso, supostamente por uma fiscalização da União como alegado em contestação, não há qualquer elemento nos autos que permita a este Juízo a apurar quando o contêiner foi efetivamente reapresentado à demandante, sendo esse ponto questionado pela ré em sua defesa. (...) Dessa forma, para além de impedir a averiguação da tarifa aplicável (fl. 33), a ausência da data de devolução não permite a verificação da extensão do dano necessária a fixação da indenização (art. 344, do CC), pois, por um lado "Termo de Compromisso de Devolução de Contêiner" estabelece alíquotas diárias a serem empregadas em caso de devolução tardia, mas, por outro é impossível inferira quantidade de dias de atraso no caso em lupa. A mera indicação de uma data pelo autor não é suficiente para tanto, uma vez que o ônus de comprovar os fatos afirmados na exordial recai sobre si. Portanto, considerando que a parte autora não logrou êxito em comprovar efetivamente o dano que afirma ter experimentado, não procedem os seus pleitos.”

Segundo a Dra. Juliana, esta decisão é extremamente relevante para as empresas de comércio exterior e deve ser comemorada, posto que se trata de um precedente que mostra que a cobrança de demurrage, como qualquer outra, precisa se submeter as regras processuais vigentes: “O judiciário brasileiro não pode ser cúmplice dos armadores que iniciam aventuras jurídicas absurdas no afã de enriquecer às custas dos empresários. O papel da justiça é garantir que apenas os valores devidos – se e quando devidos – sejam pagos, e em um patamar justo e razoável”.

Berton finaliza afirmando: “Os empresários que estão nessa situação não devem se entregar. Muito pelo contrário, em situações como estas, é imprescindível que busquem profissionais especializados em direito aduaneiro que poderão dar o auxílio jurídico necessário para que decisões como estas também sejam proferidas nos seus casos”.

Artigo publicado originalmente no Jusbrasil

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